quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PROCURA-SE  UM  AMIGO
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimento, basta ter coração.
Precisa saber falar e saber calar; sobretudo, saber ouvir.
Tem que gostar de poesia, da madrugada, de pássaros, do sol, da lua,
do canto dos ventos e do murmúrio das brisas.
Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.
Deve amar ao próximo e respeitar a dor que todos os passantes levam.
Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão,
 nem mesmo é imprescindível que seja de segunda mão;
pode já ter sido enganado (todos os amigos são enganados).
Não é preciso que seja puro, nem que seja de todo impuro, mas, não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perde-lo; no caso de assim não ser, deve sentir o
grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas;
seu principal objetivo deve ser de ser amigo; deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve ser d. Quixote sem, contudo, desprezar Sancho Pança.
Deve gostar de crianças, lastimar as que não puderam nascer e as que não puderam viver.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos;
que se comova quando chamado de amigo; que saiba conversar de coisas simples,
de orvalho, de grandes chuvas e de recordações da infância.
Precisa-se de um amigo para não enlouquecer, para se contar o que se viu de belo ou
de triste durante o dia,dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas, de poças de chuva, de caminhos molhados, de beira de estrada, do mato depois da chuva e de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela,
mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar,
para não se viver debruçado no passado em busca de memórias queridas.
Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando,
mas que nos chame de amigo.
Precisa-se de um amigo que creia em nós.
Precisa-se de um amigo para se ter consciência de que ainda se vive.

   
(Vinícius de Moraes)